domingo, 21 de dezembro de 2008

Trabalho aos domingos e direitos humanos





Há pouco mais de dez anos, uma poderosa multinacional do setor varejista lançava sua âncora no estado. Ao consumidor, prometia uma nova era de compras fartas, com portas escancaradas de domingo a domingo. Quanto ao poder público
municipal, convence-o a liberar o inovador horário alegando ser esse uma fonte inesgotável de emprego e renda. Através de farta comunicação vende a ilusão de que a introdução do trabalho aos domingos no estado representava crescimento econômico em estado bruto e era a cura para todos os males. Da unha encravada ao buraco da camada de ozônio. Na esteira de sua inauguração, os supermercadistas locais viram-se obrigados a fazer do trabalho aos domingos uma questão de fé. Menos por acreditarem que com ele assistiriam ao milagre da multiplicação das vendas e mais por temerem uma concorrência tão inevitável quanto desigual.
Proibido desde 1949, o comércio aos domingos não passava pela cabeça de ninguém até há cerca de 10 anos, quando as ruas ficavam desertas e os comerciários aproveitavam para curtir o descanso, o lazer, a vida em família e a prática religiosa. Em agosto de 1997 tudo muda com a Medida Provisória 1.539, que autoriza o comércio aos domingos e substitui o Decreto 99.467/90, que remetia o tema aos municípios, desde que previamente negociado entre patrões e empregados. Três anos depois, lei 10.101 regulamentaria a MP de 1997.
Hoje, o discurso de que o trabalho aos domingos elevaria as vendas e geraria emprego e renda revelou-se uma farsa montada por empresários do setor de shopping-center e das grandes redes de varejo locais e multinacionais. Ao invés de novos empregos, o trabalho aos domingos ampliou de forma desumana a jornada dos comerciários, justamente para não contratar mais, além de institucionalizar a hora-extra sem remuneração.
O trabalho aos domingos representou a supremacia do poder econômico dos grandes empresários, que ocuparam de forma predatória os espaços antes destinados aos pequenos e médios comerciantes de rua e bairro. A concorrência desleal, aliada ao alto custo de manter em funcionamento um ponto comercial em um dia de movimento insignificante como o domingo, fez com que os "pequenos" - que respondem por mais de 60% dos empregos no setor - sucumbissem à concorrência dos "grandes", fechando as portas e demitindo em massa.
Na última década, o trabalho aos domingos fez terra arrasada do pequeno e médio comércio capixaba. Açougues, mercearias e peixarias foram fechados às pencas. Os altíssimos custos que envolvem manter uma loja aberta sem a contrapartida em volume de vendas não puderam ser assimilados.
O lucro farto traduziu-se em prejuízo certo por uma questão de hábito: o consumidor capixaba prefere comprar em outros dias da semana ao invés de no domingo. Negócios quebraram. Outros tantos foram comprados. Os que resistiram, mantiveram-se abertos por honra da firma.
O propalado emprego nunca veio - o domingo não aumentou o número de postos de trabalho e sim a jornada e o volume de horas extras realizadas. Contabilizando prejuízos, ao invés de contratar novos comerciários, o comércio local optou que seus empregados trabalhassem por dois.
Em junho, a irresponsável aventura do referido hipermercado mencionado na abertura deste artigo chegava ao fim de forma melancólica. As portas que nunca fechavam amanheceram lacradas. O pleno emprego traduziu-se em centenas de comerciários no olho da rua. O "compromisso público", sustentado por um esperto e massificante marketing institucional, foi desmascarado por um solene desprezo, sem qualquer comunicado oficial ou satisfação. Um ocaso educativo para a cultura do comércio varejista capixaba por desmascarar a farsa do mito do trabalho aos domingos, sistematicamente denunciada e alertada pelo Sindicato, que nunca poupou esforços para garantir aos trabalhadores o direito de dedicarem seus domingos à família, aos amigos, à religiosidade, ao lazer, ao descanso.
Restrita neste primeiro momento aos trabalhadores de supermercados, a recente Convenção Coletiva conquistada pelo Sindicomerciários/ES finalmente resgata a dignidade perdida por mais de uma década de trabalho sem trégua. Trata-se da primeira conquista desse tipo em todo o país. Uma histórica vitória que vai além dos limites reivindicatórios sindicais e invade o terreno do exercício de cidadania. Resta vencer a resistência de parcela minoritária do empresariado que ainda teima em confundir cidadania com consumismo. Conseguiremos. Afinal, se até Ele descansou, por que trabalhar no domingo?
Nos último anos, a direção do Sindicato dos Comerciários não tem poupado esforços na luta pelo fim do trabalho aos domingos e em defesa da dignidade física, mental, espiritual e emocional do trabalhador, que não pode ser negociada em nome do lucro. Trata-se de um debate que suplanta a discussão sindical ou trabalhista. Mas, uma questão de cidadania e direitos humanos.Contracs/CUT mobiliza e alerta comerciários e parlamentares, nesta terça-feira, em Brasília
Comerciários/as de todo Brasil estão mobilizados em Brasília, pela aprovação de uma Emenda à Medida Provisória 388/07, aprovada no Senado, que condiciona trabalho aos domingos e feriados à convenção coletiva de trabalho e inclui hipermercados e supermercados entre os estabelecimentos do comércio atingidos pela MP.
Nesta terça-feira, 20 de novembro, a CONTRACS/CUT, federações e sindicatos filiados estarão em Brasília para votação da MP 388/07 na Câmara dos Deputados, com pressão máxima para aprovação da MP com a emenda aprovada no Senado.



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