Bento Herculano: Não se pode restringir o acesso à justiça para a classe trabalhadora |
A Reforma Trabalhista, sancionada em julho de 2017, surte efeitos práticos para os trabalhadores do Brasil, com o registro da queda de ações trabalhistas. No Rio Grande do Norte, o cenário não é diferente. Para o desembargador e atual presidente do 21ª Tribunal Regional do Trabalho (TRT/RN), Bento Herculano, a restrição à justiça para o trabalhador tem sido um dos principais efeitos negativos causados pela reforma. Para ele, a redução das ações tem como causa o medo dos trabalhadores em buscar seus direitos, e não o cumprimento da legislação. Eu não posso ficar contente se essa restrição decorrer apenas da restrição do acesso à justiça, porque nenhuma sociedade pode ser considerada moderna se as pessoas não tiverem acesso ao poder judiciário, frisou Bento Herculano. À frente da presidência do TRT/RN desde janeiro deste ano, o desembargador Bento Herculano comemora os primeiros resultados obtidos nos 45 dias de gestão. Em pouco tempo já avançamos bastante, normatizamos várias coisas que existiam mas não tinham normatização. Inauguramos a nova escola judicial, a biblioteca Miguel Josino, uma das melhores do Nordeste, disse o presidente, em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, citando a transparência como uma das metas para o TRT/RN. Leia abaixo a entrevista.
Como o senhor avalia o atual cenário da justiça do trabalho? A justiça do trabalho continua desenvolvendo um papel essencial para que nós tenhamos uma sociedade com mais justiça social, na medida em que existe há cerca de 70 anos. Quando existem crises econômicas, como é o momento atual, essa sua importância resta aguçada. Como afirmou recentemente o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli: um país com tantas desigualdades sociais como o Brasil não pode prescindir de uma justiça especializada na resolução de conflitos trabalhistas. No Brasil, temos três justiças especializadas, a eleitoral, a militar e trabalhista. A última atende um alto número de demandas, o que demonstra a confiança da população nela e a sua essencialidade. Agora, como toda instituição do Brasil, a justiça não está imune à necessidade de aperfeiçoamento e de eventuais críticas. A justiça do trabalho continua com um firme propósito de atuar na harmonia social, sendo uma justiça que tem a missão da pacificação social. A alta demanda pela justiça do trabalho é um indicativo do paternalismo dessa justiça com o trabalhador, ou é um retrato social do desrespeito de direitos? Em tempos de fake news, há uma tendência muito grande das pessoas tentarem desconstruir as verdades. A verdade é que, no Brasil, nós temos um alto número de demandas judiciais em todas as justiças. São quase 100 milhões, e a justiça do trabalho representa 6% apenas. É uma das justiças que tem o menor número de demandas, o que não deixa de ser significativo por diversas circunstâncias. Na verdade, esse número expressivo não é algo que seja específico da justiça do trabalho, isso acontece desde os juizados especiais cíveis até o STF. Isso demonstra que, apesar dos pesares, a população confia no poder judiciário. Quem fala em paternalismo não conhece a realidade da justiça do trabalho. Atualmente, nem o direito do trabalho é paternalista, muito menos a justiça. O índice de ações julgadas procedentes é ínfimo, é muito difícil o trabalhador ganhar toda a causa. Isso é uma ideia que se vendeu porque de uma forma ou de outra, temos uma litigiosidade elevada, mas cerca de 50% das demandas trabalhistas envolvem verbas rescisórias. Os empregados pedem o salário do mês que não receberam, o décimo terceiro proporcional, as férias. Não tem FGTS depositado. Essa ideia de paternalismo é vendida para tentar desconstruir uma justiça que tem a missão de pacificação social. Eventualmente algumas pessoas preferem não ter que cumprir com as suas obrigações, preferem aumentar a lucratividade em detrimento de cumprir a legislação. A justiça nada mais faz aplicar o que diz a lei. Como você está avaliando os efeitos da reforma trabalhista? A reforma trabalhista, como é uma obra humana, não poderia ser perfeita. Ela alterou 117 dispositivos, principalmente da CLT (Consolidação das leis do trabalho), mas não apenas nela. Alguns pontos são apontados como retrocessos, o que é comum em uma obra humana que vai ter abrangência da reforma. Agora se questiona muito porque houve o acidente, que ao meu ver não foi um acidente, de Brumadinho, e por conta disso as pessoas estão se questionando como se limitou o valor da vida no campo do dano material, ao salário do sujeito. Será que a vida da pessoa é medida quanto ao sofrimento, pelo seu salário? E uma coisa muito sensível na reforma é a questão do acesso a justiça, houve uma redução muito grande de cerca de um terço das ações. Sou muito favorável que se responsabilize quem ingressa indevidamente na justiça tentando obter uma vantagem que não lhe é legítima. Mas, você não pode restringir o acesso a justiça justamente para a classe trabalhadora. Há uma ação na Procuradoria Geral da República, aliás, proposta pela PGR, que é um órgão isento, e que o STF está julgando para que sejam feitos alguns ajustes na reforma em relação a isso. Ficaria muito feliz com a diminuição no número de ações em decorrência dos empregadores cumprirem mais a lei, alguns advogados e trabalhadores terem mais cuidado para não pedir aquilo que os empregados não teriam direito. Mas eu não posso ficar contente se essa restrição decorrer apenas da restrição do acesso a justiça, porque nenhuma sociedade pode ser considerada moderna se as pessoas não tiverem acesso ao poder judiciário. Em resumo, a reforma tem coisas neutras, coisas boas e pontos que são sensíveis a críticas, principalmente a parte processual. Quando você fala dessa restrição, é o medo causado ao trabalhador? Exatamente. Se fez um sistema onde o trabalhador, mesmo ganhando uma ação, mas se perder em algum ponto da demanda, vai eventualmente, sofrer uma condenação seja em honorários de perito ou advogado, que vai lhe fazer sair devendo daquela demanda. O interessante é que a restrição feita ao acesso a justiça do trabalho, que sempre foi conhecida como uma justiça social, em que você tinha mais facilidade em ir até ela, não tem em outras, como a estadual, a comum federal ou nas especializadas. Isso é algo que o Supremo está enfrentando, e o que a gente pode rogar é que o Supremo termine o mais rápido possível de apreciar isso. Porque é um ponto de vista que hoje é unânime na doutrina processual e constitucional de todo o mundo, onde você não pode achar que há cidadania quando você tem restrição do cidadão ao poder judiciário. No que a legislação trabalhista ainda precisa evoluir? O corpo normativo, que é a CLT, é de 1943, mas de lá para cá, ela só não foi modificada em três anos. Em 2017, houve uma alteração com uma profundidade nunca antes vista, mas que na década de 1990 tivemos uma modificação muito grande em diversos dispositivos. Eu diria que a reforma teve uma abrangência grande, é recente, então temos que ter acima de tudo paciência, para ver os efeitos da reforma. Se foram gerados novos empregos, por conta dela. O que não me parece que é fácil, porque não se combate desemprego com lei, e sim o crescimento econômico. Uma lei pode ajudar criando um ambiente mais propício para a empregabilidade. Ainda tem algumas coisas que podem melhorar, até flexibilizando mais as relações de trabalho, como em outros aspectos pode se detectar que não deu certo o que se colocou no âmbito das alterações legislativas e fazer os ajustes. Quem faz isso é o poder legislativo, o judiciário tem o controle de validade das leis pelo filtro da constituição federal. Com parcimônia, menos demagogia e ideologia, podemos ter uma legislação o máximo equilibrada. A justiça do trabalho tem sido polemizadas por declarações do novo presidente, Jair Bolsonaro. Como você tem observado essas declarações? Em novembro, o presidente eleito Jair Bolsonaro foi ao Tribunal Superior do Trabalho e enfatizou a importância de uma justiça especializada, disse que quando quisesse propor modificação na legislação, iria procurar os ministros do TST e magistrados. Já em janeiro deu uma declaração ao STB, dizendo, a partir de uma premissa absolutamente falsa, de que só existe justiça do trabalho no Brasil, o que é uma inverdade absoluta. Nos países mais desenvolvidos do mundo há justiça do trabalho, como Alemanha, Reino Unido, Argentina, México, Chile e por aí vai. Nos Estados Unidos, por exemplo, se um empregado sofre um assédio moral, ganha milhões de dólares, e no Brasil isso não acontece, os valores são muito baixos. O presidente, partindo de uma premissa falsa, acredito que em um arroubo, como várias vezes já aconteceu por conta da sua personalidade de ser entusiasmado, deu a declaração. Após isso se reuniu com o presidente do TST, disse que é totalmente favorável a permanência da justiça do trabalho enquanto uma justiça especializada. Algumas pessoas, porque não cumpriram com a lei e sofreram condenações, atuam com interesses pessoais e com rancor, e são contra a existência da justiça do trabalho. Mas aqueles empresários que tem uma preocupação com o social, não conheço um sequer que seja contra a existência da justiça especializada do trabalho. Acho que o presidente da república, não posso partir do pressuposto que tenha mentido para o presidente do TST, nem encenado quando disse que precisa da justiça do trabalho. (Tribuna do Norte) |
Fonte: Ascom - TRT/21ª Região
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